quarta-feira, 14 de julho de 2010

Paulo Moura - Rio Preto morreu um pouco

Conheci Paulo Moura na lendária Boca do Mato, bairro eternizado pela Tia Zulmira, personagem do inesquecível Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta.
No século passado, o Rio de Janeiro compreendia também os subúrbios. O Engenho Novo, de Machado, o Vaz Lobo de Nelson Rodrigues, o São Cristóvão de Lima Barreto. A Bossa Nova restringiu o Rio a Ipanema, onde nasceu a maioria dos cariocas, exceto eu e a Úrsula Vieira, que nos orgulhamos de termos vivido no Jacarezinho. Paulo Moura ensaiava horas a fio com o flautista Antonio de Sousa, e eu, nos meus 15 anos, me deliciava com os acordes e as harmonias criativas dos dois monstros sagrados.
Voltaria a ter contacto com Paulo Moura nos anos 60, no Teatro Opinião. Ali, às segundas-feiras, músicos e cantores se reuniam para levar a boa música popular, as escondidas da censura.
Eu não poderia imaginar que, um dia, viria morar em Rio Preto e que o Paulo Moura fosse rio-pretense.
Entre tudo de ruim que a malsinada revolução me proporcionou, me deu um bem muito maior, que foi me reencontrar com o meu ídolo Paulo Moura. Ídolo desde os meus anos verdes, Paulo Moura, na comunidade mundial das artes, era o rio-pretense mais ilustre.
Mestre do clarinete e do saxofone. Muito jovem atingiu os limites do instrumento e passou a se dedicar a arranjos e adaptações de obras feitas originalmente para cordas.
O Festival Paulo Moura reuniu em Rio Preto o que há de melhor na música brasileira, de Perez a Paulo Moura, de Rastelli a Pablo Ziegler, do nosso coral à orquestra de Genéve, de Wagner Tiso a Paulo Buchala, de Fernando Marques a Luís Melodia.
Paulo Moura superara a mágoa de seu pai, um belo band leader, ter sido obrigado a entrar pela porta dos fundos do clube nos anos 40. O grande Joe Louis foi barrado no Copacabana Palace, em plena capital federal. Viver é ser notado.
A morte não é um momento. É um processo. Nesta quarta-feira Rio Preto morreu um pouco, ante os olhos da comunidade internacional. Repetindo Cazuza, meus heróis e meus ídolos estão morrendo todos. Se pobre é o país que precisa de heróis, mais pobre é o homem que não tem seus ídolos. Mais triste que não reconhecermos as nossas imperfeições e pecados é não idolatrar a divina perfeição do outro. Paulo Moura, a despeito de humano, foi um músico perfeito. Que descanse ao lado do seu criador Orfeu, Allah ou Jeovah!
Liberato Caboclo, médico e ex-prefeito de Rio Preto.

(Publicado no Jornal Bom Dia - 14/07/10)

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